O Mensageiro

O mês de setembro concentra duas grandes alegrias do Ideal – a comemoração do nascimento de nosso Mestre-Poeta Luiz Goulart e o aniversário da Corrente da Paz Universal, fundada por ele, em 1966.
Caminhando no mundo, nosso Amado se vestia com a capa de estrelas dos filhos de Orfeu; afinal, era Poeta e livre pensador, sem nenhum compromisso a não ser com a filosofia do amor, da beleza e da liberdade – que por certo o defendia de toda a cobrança de possível santidade... Santa, no entanto, era a luz que, do impulso criador de seu Mestre Interno, lhe inspirava a lida cotidiana, na entrega da terra de seus dias aos belos grãos de pensamentos, palavras e ações a serviço da Paz e da Não Violência. Não conheci criatura mais dedicada e fiel à Musa do Ideal. Era assim que, diante do Cristo, ele se tornava o servo – e com intrepidez se autodenominava “o estafeta”, o mensageiro dos Maiores que trouxeram à Humanidade a medida da autorrealização.
Quem conviveu é que sabe como a força de seu estro traduzia com simplicidade e beleza o que a aridez filosófica, às vezes intrincada, nunca poderia nos dar. Ele provocava: mas o mergulho livre era nosso, em busca das riquezas do espírito. Sem dúvida que a posteridade precisaria das sinalizações desse novo Sócrates, parteiro de almas... cuja força está presente na obra escrita que deixou, para os interessados em sua mensagem, e no testemunho de seu trabalho vivo, mantido de pé por valorosos e dedicados companheiros da Corrente da Paz.
Em sua homenagem escolhemos quatro títulos entre dezenas por ele publicados para ilustrar as páginas desta edição comemorativa: Canção do Vagamundo, O Caminho da Paz Interior, Método Psicocrístico e Psicologia Essencial, dos quais selecionamos preciosos trechos... Que esse impulso criador que o animou seja uma bênção para todos nós.
Salve Luiz Goulart! PAZ e CRISTO! (Lucia Magalhães)

Canção do Vagamundo
Dos textos que me  ficaram na memória,
um que jamais esquecerei chama-se
“O Testamento do Poeta”:

“Se amanhã me procurares
E tiver partido...
Não chores.
Nem julgues que morri.
Os poetas não morrem,
São como  flores que, secas,
Vão no corcel dos ventos
Guiando, em espírito,
Rédeas claras de perfume.
Se não me achares,
Imagina que segui os passos de Buddha,
Ou levei a cruz de meus poemas
Após o Mestre do Calvário.
Se não vires o poeta,
Procura a pasta banhada em Luz
E, entre os selos de meus gestos,
Desata a fita da recordação.
E nos papéis da lembrança
Encontrarás o Testamento
Mais puro que o riso da criança,
Que abriu as asas
Sem prender-se ao mundo.”

“Não posso crer que o rochedo entenda o mar, nem a onda entenda o rochedo. Nem o fogo entenda a água ou a chuva compreenda a chama.
A pobre filosofia a do mundo é exatamente o esforço inútil da compreensão dos antagônicos.
Existem pessoas ígneas que querem conviver com pessoas líquidas. Resultado: secam-se ou apagam- se mutuamente.
Quem é da rocha,  que na terra. Quem é do mar, singre o oceano. No mundo finito tentamos em vão entender os fatos e os seres pela lei dos opostos. Só no infinito das estradas os opostos são compreendidos, pela unidade do amor.”
“Quando estiveres triste, pensa no anjo de asas feitas de arco-íris. Ele vem como um sopro leve, entre a névoa e o sol. De passagem, colhe o perfume das
 ores remanescentes do Paraíso.
O anjo vem coberto de pó de luz e caminhará baixinho, em música de esperança, iluminando a sombra da saudade.
O anjo de asas feitas de arco-íris chega depois das chuvas, dando alento aos que morrem deserdados e a itos, pensando que ainda existe solidão.
Mesmo se o anjo não aparecer, podemos criá-lo com as asas da libertação interior.
Depois, é só segui-lo no voo ou nos caminhos.”

Pense Nisso
(de O Caminho da Paz Interior)

Já observaste que os nervosos são menos resistentes ao sofrimento? Por que então nos permitimos o esgotamento da resistência aos embates naturais?
O ser humano deve ser preparado para enfrentar o inesperado da mensagem das horas.

Assim como ele constrói sua moradia segundo o critério de defesa do calor e do frio, do sol e da chuva, dos ventos e dos raios, do mesmo modo a casa interior deve ser construída com pensamentos que nos resguardem de emoções abruptas, mais nocivas para a alma do que são para o corpo o calor, o frio, o sol, a chuva, os ventos e os raios.
Sejamos gratos às experiências que nos chegam, mas tiremos delas apenas os ensinamentos necessários. Não as vivamos eternamente, repetindo-as nas cordas de nossa alma. Na repetição emocional, monótona, das experiências está o início da saturação perigosa; aproveitemos, nesse particular, a pluralidade das manifestações da Natureza. Ela é harmônica, sem ser simétrica. De igual modo a monotonia, como a intransigência, levam à rigidez do pensamento.
O homem que não filtra a monotonia torna-se quadrado e frio. E perde os instantes felizes porque habituou-se a rejeitar incondicionalmente a voz das mensagens novas.

Decálogo da Cordialidade
01 – Não tente mudar o temperamento de ninguém.
02 – Aprenda a esperar, sem alimentar com a ansiedade o problema existente.
03 – Não conte demais seus ressentimentos às pessoas afins e jamais o faça aos estranhos.
04 – Resista ao máximo, sem implorar auxílio. Recebendo-o ou não, agradeça sempre.
05 – Não obrigue ninguém a nada, mesmo que a posição permita a você tudo exigir. Peça por favor e espere.
06 – Fale pouco, interrogue o menos possível e não sofra se não responderem.
07 – Sorria, mesmo contrariado em seu modo de ver e sentir, sem criticar seu próximo.
08 – Ajude desinteressadamente.
09 – Não exagere as felicitações e as condolências.
10 – Não use os erros passados como argumento nas discussões presentes. Do passado, escolha o bem e viva o presente como dádiva da Vida.


As Três Portas

DESPRENDIMENTO
As criaturas desejam demais. São geralmente incontentáveis. Do muito desejar, imediatamente vem o tudo perder. Cada qual perde na medida do que desejou... O muito desejar acarreta grande sacrifício ao ser e, logo, traz consigo muito sofrimento; e o sofrimento, desassossego e intranquilidade.

Eis por que te aconselho a não despenderes excessiva energia com teus desejos e ambições. Medita sempre a dualidade que há em ti, procurando não emprestar aos fatos e às coisas mais valor do que eles realmente possuem.
Sendo tu uma dualidade, procura, em face do mundo perecível, indagar de teu mundo interno o que ele sente daquilo que te aflige. Assim, partindo do efêmero para o eterno, terás, se repetidas vezes praticares este exercício, começado a sentir a força benéfica do desprendimento.


CONCENTRAÇÃO
É o estado de equilíbrio perfeito que faz com que consigamos, no meio do maior tumulto do mundo, em face de nossas necessidades físicas e de nossas dores do corpo e da alma, manter-nos dentro do alheamento total de tudo e de todos. Nesse estado está o ser perfeitamente em harmonia com suas forças superiores. Aí, então, ele pode tornar-se médium de sua própria espiritualidade. E, por isso, capaz de filtrar através de si mesmo o conhecimento e as experiências adquiridas por seu Eu no percurso de suas vidas pregressas, já que a concentração absoluta permite o alcance do campo síntese. Neste campo o universo torna-se, em essência, a Unidade. Porque o homem e a Vida são um.

PACIFICAÇÃO
Eis o apercebimento da Unidade: não mais os olhos pousam nas magnificências da Criação separando-as e dividindo-as. O espírito que vive integrado na Vida sente e compreende, sem procurar realmente saber ou sentir. Neste estado, o eterno vibra de tal maneira no coração, que as trevas e a luz ficam irmanadas num todo; o feio e o belo tornam-se parcelas do entendimento direto; o frio e o calor, estados passageiros; o Bem e o Mal, pontos vagos e nebulosos perdidos na claridade da contemplação.
Nasce, na alma desprendida, o ímpeto de subir; na alma concentrada, o alheamento da vontade; na alma pacificada, a liberdade sem limites. Primeiramente, a semente desprendida do fruto transforma-se em flor fechada, retendo, na concentração de si mesma, o perfume interior... então as pétalas se abrem para o infinito, lançando na paz da amplidão o perfume liberto!

– Por que padecem as almas tão bondosas?
O que  fizeram para, aqui, sofrer?
São perguntas difíceis de responder
A quem não sabe ainda compreender
Que o sofrimento traz esse mistério
De os bons pagarem pelos pecadores.
Exemplo é Jesus crucificado,
Sentindo nele as nossas próprias dores.
O martírio que sente o ser humano
Não é somente um mal particular
De quem já cometeu algum pecado
Que um destino cego faz chorar.
Todos sofrem por toda a Humanidade.
A dor alheia é nossa dor também.
Somos parte da Vida universal.
Ninguém é separado de ninguém.
Já viste quantas vezes a tristeza
Nos surge inesperada, sem razão?
Talvez a nossa dor venha de longe
De um desconhecido, nosso irmão...
Não te julgues, por isso, injustiçado
Nem percas nunca a tua paciência,
Se a maldade ferir-te dentro d´alma
Sem que te acuse a tua consciência.
Essa questão é sempre relativa:
Existe sim um karma pessoal
Mas há também aquele coletivo,
Que bem seria o karma Universal.
Quanto mais é o ser pleno de luz
Mais ele vê no próprio coração
Que, pela dor, a nossa espécie humana
Está sujeita à Lei da Evolução.
Por isso, quando busco a luz do Anjo,
Atinjo o plano eterno e iluminado
Que faz com que então seja possível
Todos sentirem um Anjo a seu lado.
“Somos as folhas de uma mesma Árvore”,
Disse o Profeta persa, sem engano,
E também afirmou esta verdade:
“Somos as gotas de um mesmo Oceano”.


Método Psicocrístico
A Psicologia Essencial de Jesus

Reconciliação
Disse Jesus:“Harmoniza-te sem demora com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não suceda que o adversário te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, até pagares o último ceitil.”

Só após as reconciliações – sendo a mais importante a que você consiga com sua própria consciência – é possível conduzir pensamentos e sentimentos numa atmosfera de paz interior. Pois que não há felicidade sob o peso dos atritos emocionais. Mas lembre-se: é ilusão tentar a reconciliação com toda a gente.
Há estados mórbidos de consciência, presididos pela sombra diabólica do ódio, que não permitem palavras de amor. Mesmo assim, não importa: faça sempre a sua parte. Se ninguém quiser reconciliar-se, reconcilie-se consigo mesmo. Importa não reter ódios e ressentimentos – substâncias letais que não só amesquinham a alma, mas terminam por comprometer mortalmente as células orgânicas...
Tenha pena de quem odeia, estendendo-lhe o sentimento de perdão, Não importa que ele seja aceito ou não: o grande e salutar ister é perdoar.

Sal da Terra, Luz do Mundo
Disse Jesus:“Vós sois o sal da terra. Se o sal se tiver tornado insípido, como lhe restaurar o seu sabor? Para nada mais presta, senão para ser jogado fora e pisado pelos homens.”
É bom que você sempre vigie suas qualidades internas, aplicando-as em seu próprio progresso moral e até material. Se desprezados, facilmente esses dons se transformam em atributos negativos de revolta e violência contra si mesmo e contra o mundo. Daí a metáfora evangélica – “pisados pelos homens”, ou seja: tornar em ação inferior a mesma energia psíquica que deveria estar animando as qualidades espirituais do ser humano. Em consonância com este trecho está a afirmação do Mestre, com relação à luz do mundo:
“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte. Nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos que se encontrem na casa.” (Mateus 5.14-16)
O sal expressa as qualidades (dons e vocações) superiores da alma e a luz designa a potencialidade da Energia que as anima. Ser a luz do mundo é o Dom dos dons, a qualidade das qualidades. Somos a luz do mundo por representarmos o reino hominal, aquele que já pode ir além do instinto animal e tem o dever de procurar a conexão com o Cristo Interno... Afinal, crescemos na escala evolutiva da Natureza. Somos, na expressão do Mestre, como uma cidade construída sobre um monte. Não podemos nos esconder no vale do instinto, porque já galgamos a escala evolutiva da Inteligência. (do “Método Psicocrístico”)

O Monte e o Vale
Num dia de calma

E de serena virtude,
O homem do vale
Perguntará ao homem da Montanha:
– O que lucraste tu
Ao atingires a altitude
Quando, aqui, levo meus passos
E caminho plenamente,
Sentindo o fervilhar das emoções?

O homem do Monte,
Com o olhar perdido nos Espaços,
Responderá suavemente:
– Eu louvo as cogitações
Que trazem a pergunta à tua boca.
Há tempos queria que indagasses...
Este é o primeiro passo da subida.
Vem, pois, comigo e sobe devagar.
Ao conheceres lá no Monte, a Vida
Ante o Infinito do horizonte eterno,
Nada direi.
Teu Eu, bem dentro de ti, há de falar
E saberás que imensa luz existe
Em teu próprio Cristo Interno.
Por teu esforço, filho, vem!
Ninguém, amigo,
Atinge o Monte por ninguém...
(
do Método Psicocrístico)


Psicologia Essencial

O AMOR EM MOVIMENTO
Não achamos muito proveitosa a cogitação de Deus fora do Homem. Cremos de salutar importância encontrá-lo em nós como Vida, Energia ou Potência, ao mesmo tempo autoconsciente. Sob este aspecto, podemos nos considerar possuídos de Deus, não num sentido paranoico, mas no Sentimento – onde registramos Sua presença como AMOR. Esse é o melhor nome que podemos dar a Deus.
O Amor é facilmente constatável como Deus em nós, por sua criatividade permanente. Ele é mesmo a maior força da Vida. O Amor é o Impulso Vital. Para termos uma ideia dessa realidade, basta constatarmos nosso abatimento quando perdemos o estado de Amor – transe cruel quando topamos com determinados obstáculos criados por nossa emotividade... Neste ponto, só a Poesia pode oferecer o substrato de que necessita o Amor para manter seu Impulso Criador em horizonte mais alto.
Sim, o Senso Poético da Vida transmuta as imagens desarmônicas que interceptam a criatividade do Eu, transformando-as em imagens oníricas ou simbólicas. A linguagem da Poesia é a fala do Amor: transcendendo a realidade racional, retrata a criatividade do Impulso Vital que insufla seu poder em a Natureza, desta extraindo formas que se eternizam em expressão de sonho... Em nome de Deus ou do Amor, que se levante a face do Homem para além do pequeno horizonte de seus olhos físicos, animada pelo Impulso Criador.

SENSO PRÁTICO, SENSO POÉTICO
Não tomemos o senso prático como único indispensável: realíssimo também é o senso poético... Ambos são indispensáveis à autorrealização do Homem. Importante é reconciliar a realidade estética do Eu com a realidade prática do Ego: quando o Ego entre em tumulto emocional, o Eu sempre está a postos, pronto a ajudar nossa humanidade...
A toda ação deve corresponder uma inação contemplativa. O senso prático precisa ser envolvido pelo senso poético, pois todo trabalho é desgastante se não é amado. Assim devemos amar o que sai de nós, quer seja um filho ou um objeto inanimado. O que fazemos sem emprestar nosso sentimento não desperta sentimento em ninguém.
Vivemos quase sempre esquecidos do Amor que mora no Eu – por isso nossa realidade prática é tantas vezes brutal e conflitante. Temos medo de ser crianças e envelhecemos cedo, ilhados pelo senso prático e desvinculados do senso poético da vida. Assumimos o condicionamento prático como se não nos coubesse o direito à vida interior e ao uso do sentimento.
Não existisse uma realidade estética, subjetiva, na prática não sentiríamos os efeitos produzidos pela criação artística. Canções e poemas não são momentos de derivação: não, a Poesia deve caminhar conosco como a gaivota sobrevoa a inconstante realidade do mar...

UMA QUESTÃO DE FÉ

A fé é uma criança feita de luz que cresce em nosso interior. O cultivo da Arte – cor, música e formas harmoniosas – é ambiente propício para seu desenvolvimento. Dela nos vem toda a força para ultrapassarmos os obstáculos próprios da existência, sejam os que criamos ou os que o mundo cria sobre nós. A fé não depende da crença em algo acima de nós mesmos: é questão de se exercitar a vida subjetiva, contemplativa, e esperar seu advento.
Até aquele que se diz materialista pode sentir a realidade da fé – desde que constate e cultive seu próprio impulso criador. Este impulso criador, respondendo à busca, permite que a fé dinamize as resoluções práticas do indivíduo, iluminando-as. Assim como uma estrela reflete sua luz na lagoa, mas não é parte das águas que ilumina, a fé empresta seu ímpeto à ação prática – mas continua na Inação Criadora do Eu. Por isso é que, para encontrá-la, necessitamos diminuir o empréstimo de energia à ação do instinto.
A maioria dos psicólogos e filósofos se esquece da dimensão poética – e, no entanto, é ela que dilata nossa visão, além do cotidiano que nos oprime. Poderíamos afirmar, como Jean Tardieu: “Para avançar, eu me volto sobre mim mesmo.” Realmente: se a espiral da atenção retorna ao espaço da dimensão poética, o Homem se reabastece de fé, superando os eventuais abatimentos emocionais, morais e físicos... Esta força que dilata o impulso criador reside também no Homem: que belo mundo possui aquele que toma o AMOR como medida de sua criatividade! (trecho de “Psicologia Essencial”)